sábado, 10 de outubro de 2009

Lixo na rua, lixo na mente

9/10/2009

Lixo na rua, lixo na mente

"É graças aos catadores que não temos uma situação ainda mais grave no País, já que são eles que encaminham para a reciclagem em empresas (em usinas públicas a porcentagem é insignificante) cerca de um terço do papel e papelão descartado, uns 20% do vidro, talvez outro tanto de plásticos e a quase totalidade das latas de bebidas", constata Washington Novaes, jornalista, em artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, 09-10-2009.
Eis o artigo.
Desde o último domingo a cidade de São Paulo está mandando para aterros em outros municípios as 13 mil toneladas diárias de lixo domiciliar e comercial que produz, pois se esgotou a capacidade de seu último aterro em funcionamento e ainda não está licenciada a área adicional de 435 mil metros quadrados para onde se pretende expandir o São João (Estado, 2/10).
Mais de uma vez já foram mencionados neste espaço maus exemplos que o autor destas linhas documentou em Nova York (EUA) e Toronto (Canadá). Na primeira, deixou-se esgotar o aterro para onde iam 12 mil toneladas diárias de resíduos. E a solução foi transportá-las diariamente em caminhões para mais de 500 quilômetros de distância, no Estado da Virginia, e depositá-las num aterro privado, ao custo de US$ 720 mil por dia (US$ 30 por tonelada para o transporte, outro tanto para pagar o aterro). Em Toronto também se esgotou o aterro para onde iam 3 mil toneladas diárias. E se teve de implantar um comboio ferroviário para levá-las a 800 quilômetros de distância. São apenas dois de muitos exemplos. No Brasil mesmo, Belo Horizonte já está mandando lixo para dezenas de quilômetros de distância. O Rio de Janeiro tem de exportá-lo para a Baixada Fluminense. Curitiba esgotou o seu aterro, como muitas outras capitais.
Mas há boas notícias também. Uma delas foi anunciada pelo próprio ministro do Meio Ambiente: vai criar um programa de remuneração para os catadores de lixo no Brasil, que já são cerca de 1 milhão. É graças aos catadores que não temos uma situação ainda mais grave no País, já que são eles que encaminham para a reciclagem em empresas (em usinas públicas a porcentagem é insignificante) cerca de um terço do papel e papelão descartado, uns 20% do vidro, talvez outro tanto de plásticos e a quase totalidade das latas de bebidas.
Mas é preciso avançar mais: implantar coleta seletiva em toda parte, encarregar cooperativas de reciclagem de recolher os resíduos já separados, construir usinas de triagem operadas e administradas por elas, onde se pode reciclar cerca de 80% do lixo recolhido - transformando todo o lixo orgânico em composto para uso na jardinagem, contenção de encostas, etc.; todo o papel e papelão, em telhas revestidas de betume, capazes de substituir as de amianto com muitas vantagens; transformando todo o plástico PVC em pellets (para serem utilizados como matéria-prima) ou em mangueiras pretas; moendo o vidro e vendendo-o a recicladoras, assim como latas de alumínio e outros metais. Por esses caminhos se consegue reduzir para 20% o lixo destinado ao aterro. Gerando trabalho e renda para um contingente hoje sem nenhuma proteção.
Outra boa notícia (Estado, 2/10) é a de que a Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo e a Cetesb concluíram a vistoria dos últimos 48 lixões em território paulista. Para 18 deles já há soluções apresentadas pelas prefeituras. Outros 22 apresentarão suas soluções ainda este mês e 7 já estão em processo de interdição; 13 lixões foram fechados nos últimos dois anos. É uma contribuição importante, já que quase metade do lixo domiciliar e comercial no País continua indo para lixões a céu aberto.
Não será fácil equacionar a questão. Segundo estudo da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), implantar um aterro capaz de receber 2 mil toneladas diárias de resíduos custa em média R$ 525,8 milhões; de médio porte, para 800 toneladas/dia, R$ 236,5 milhões; e de pequeno porte, para 100 toneladas/dia, R$ 52,4 milhões (Estado, 7/9). Quantas prefeituras têm capacidade financeira para esse investimento, lembrando que a produção média de lixo por pessoa no País já está acima de um quilo por dia? Não por acaso, o mercado da limpeza urbana, segundo estudo da Unesp, está em R$ 17 bilhões anuais. Mas não bastasse tanto lixo, ainda importamos desde janeiro de 2008 mais de 220 mil toneladas de lixo, pagando R$ 257,9 milhões, para ser reciclado e reutilizado em vários setores industriais (Estado, 26/7).
E há outros problemas. Diz, por exemplo, o noticiário deste jornal (16/8) que a Cetesb identificou 19 áreas contaminadas por lixo tóxico só no Bairro da Mooca, que ocupam 300 mil metros quadrados - herança de seu passado industrial. Será preciso descontaminar essas áreas, com altos custos. E encontrar depósitos para o lixo perigoso.
Talvez num deles se possa depositar também o altamente perigoso lixo político que está invadindo nossa vida pública e poderá ter consequências funestas. Pode-se começar lembrando as declarações do ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, segundo quem "forças demoníacas" têm criado obstáculos ao licenciamento ambiental da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu (Estado, 30/9). A referência era a ONGs, como o Conselho Indigenista Missionário, e vários outros movimentos sociais, além do Ministério Público Federal, que criticam o projeto. Mas atinge também estudos de universidades que têm demonstrado a precariedade das avaliações sobre consequências ambientais, sociais, políticas e econômicas daquela usina e pedido novos estudos, inclusive sobre o custo da implantação, ora estimado em R$ 9 bilhões, ora em R$ 30 bilhões. Sem argumentos, o ministro prefere demonizar os críticos - um caminho perigoso, porque o passo seguinte seria exorcizá-los, talvez bani-los da vida pública - ou coisa pior.
Na mesma linha, as afirmações do governador de Mato Grosso do Sul, André Puccinelli, de que o ministro do Meio Ambiente é "maconheiro" e "homossexual" e que gostaria de "estuprá-lo em praça pública"(!). E, para completar, o presidente do PSC, Vitor Nósseis (O Popular, 3/10), que, para explicar a migração de políticos para outros partidos, comparou-a a "uma relação entre marido e mulher": "Se o dinheiro sai pela porta, a mulher sai pela janela."
Como se pode avançar na política com tanto lixo?

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Reciclar é a moda

Moda e reciclagem promovem inclusão social em favela de S. Paulo

Por Ciça Vallerio

São Paulo, 23 (AE) - Localizada na Favela de Paraisópolis, zona sul de São Paulo, a ONG Florescer fica numa área onde predominam ruelas estreitas, sem placas. Ali está a segunda maior comunidade carente de São Paulo, com cerca de 85 mil habitantes. Só perde para Heliópolis, na mesma região, cuja população é de 120 mil.

Em junho, a Florescer comemora 19 anos de existência. O projeto nasceu na cidade de São Manuel, interior paulista, pelas mãos de Nadia R. Bacchi - mãe da modelo e atriz Karina Bacchi -, mas se firmou mesmo na capital. Como madrinha da ONG, a filha Karina divulga o trabalho que hoje se tornou a principal fonte de renda da entidade, o Recicla Jeans. O projeto confecciona roupas femininas a partir da reciclagem de jeans usados e descartados, de resíduos têxteis, como retalhos e peças não aprovadas pelo controle de qualidade.

Vinte costureiras moradoras de Paraisópolis são as responsáveis pela confecção das peças, que são vendidas no Shopping D, zona norte, e agora também no espaço do badalado cabeleireiro Mauro Freire, nos Jardins. Ambas as vendas são formas de apoio e reconhecimento aos anos de atuação da ONG (www.ongflorescer.com.br), que já conquistou prêmios como o Quality International e Revelação Nacional.

A criação de casacos, vestidos, sacolas, bolsas, pufes, broches na forma de flor, brindes para empresas e muitos outros acessórios ficam por conta da própria Nadia, que já foi dona de uma marca de moda feminina. A partir da experiência no mundo da moda, percebeu como esse ramo seria uma boa saída para alavancar fundos para a instituição.

USO DO JEANS

"Para arrecadar dinheiro sem precisar passar o chapéu a todo momento, decidi apostar na moda", lembra Nadia, que hoje está com 61 anos e é formada em Biologia. "Foi quando me dei conta de como esse projeto era amplo, uma vez que gera emprego e renda para mulheres da comunidade e também tem uma preocupação ecológica, trabalhando com reciclagem. Pensei no jeans por ser usado no mundo todo, e também por ser resistente e ter longa vida."

Mas não é porque as peças são fabricadas por uma ONG que os preços são populares. Variam de R$ 120,00 (uma bolsa) a R$ 260,00 (uma jaqueta com patchwork). Há até vestido de noiva bem fashion, confeccionado com retalhos, bordados e apliques, que pode chegar a R$ 6 mil.

Outra parceira do projeto Recicla Jeans é a Restaura Jeans, empresa que também oferece serviços de conserto e customização. Na ONG, é a responsável pela lavagem das peças produzidas. Apesar de apoios importantes, a Florescer vive correndo atrás de patrocinadores. A única empresa que mantinha doações fixas acabou de suspender o suporte que dava, alegando problemas financeiros decorrentes da crise econômica atual.

Os valores arrecadados com a venda das peças e com os eventos que a ONG promove durante o ano - entre os quais, a Festa Junina no Jóquei, que reúne famosos para dançar quadrilha - não cobrem os gastos fixos e os serviços oferecidos aos moradores de Paraisópolis. Além das duas oficinas de costura, a ONG oferece cursos e oficinas para 800 crianças e jovens de baixa renda, entre 7 e 16 anos. Eles têm aulas de reforço escolar, inglês, teatro, música e computação.

"Se não fosse a colaboração da família, seria muito difícil", confessa a fundadora Nadia. Esse trabalho é sua grande missão e representa também alguma esperança para os moradores da favela, considerada este ano a "primeira" na capital em quantidade de drogas apreendidas, perdendo apenas para a de Heliópolis.

Alimentos orgânicos, mais caros, mais saudáveis

Qui, 23 Abr

Por Andréa Licht, da Revista Sustenta

Cabras passeiam soltas; meia dúzia de galinhas cisca grãos de milho com seus pintinhos; um casal de porcos chafurda na lama do chiqueiro; a vaca está ali, meio paradona, ruminando um mato qualquer. Para completar, não muito longe, avistam-se pés de alface e agrião, tomateiros, bananeiras, mangueiras e videiras. O solo parece fofo e vivo. Nele, crescem também cebolas e batatas. Um pouco mais distante, há uma pequena reserva de mata virgem.

Em outra cena barulhenta, um avião monomotor acaba de dar um rasante ensurdecedor. No rastro dele, uma nuvem de fumaça - agrotóxico, que é pulverizado sobre a plantação de soja. A extensão de terra é descomunal. Soja, soja e mais soja. Vida? Cadê, quem viu? O solo parece morto. Sobrevive às custas de muito fertilizante químico.

Você pode escolher: quer comer o quê? O tomate de onde tem a vaca malhada ou a soja sem bicho nenhum? Por razões ambientais e de saúde, talvez o tomate, não? Na prática, porém, conseguir comprar um tomate desses significa que você é um privilegiado. Isso porque ele é cultivado segundo os princípios da agricultura orgânica. E os orgânicos, por enquanto, são acessíveis somente a uma pequeníssima parcela da população brasileira. O número de produtores é significativo: mais de 15 mil projetos de agricultura orgânica estão registrados no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

Em área cultivada, no entanto, equivalem a 800 mil hectares, ou a menos de 1% das terras usadas para a agropecuária no país. Mais: estima-se que apenas 15% do que é produzido seja consumido internamente - os maiores compradores dos produtos orgânicos nacionais são os europeus e norte-americanos. No ranking mundial, o Brasil figura entre os seis maiores produtores de orgânicos. Segundo a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), movimentamos 250 milhões de doláres ao ano nesse setor. O número ainda é pequeno diante do tamanho do mercado global, que chega a 30 bilhões de dólares, mas nosso potencial de crescimento anual médio está estimado em 25%.

Recompensa maior
A Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil), por exemplo, há cinco anos incentiva a participação de 64 empresas da área em mercados internacionais com o projeto Organics Brasil. Em 2005, as exportações via Apex totalizaram 9,5 milhões de dólares. Este ano, somente no primeiro semestre, elas chegaram a 29 milhões de dólares - soja, açúcar, café, frutas tropicais e pescados estão entre os itens comercializados.

Por que a maior parte da produção vai para fora? "Não me parece uma questão patriótica ou ideológica", diz Carlos Armênio Khatounian, professor da Escola Superior de Agronomia Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo (ESALQ - USP). "A produção orgânica requer maior conhecimento do produtor, mais atenção e dedicação. E a recompensa vem na comercialização." Ou seja, vender para fora, onde o hábito de consumir orgânicos está disseminado, vale mais a pena. Além disso, segundo o professor, para comercializar num supermercado ou feira o produtor tem que estar geograficamente próximo dos centros urbanos.

É verdade. Orgânico dá mais trabalho do que a agricultura convencional. Sem usar galões de agrotóxico, é preciso estudar, planejar e criar um esquema de proteção natural para a plantação. E a distribuição dos produtos ainda é um problema. Esses pontos explicam por que o preço dos orgânicos dói no bolso. Mas há outros: um deles - e o mais clássico - é a lei da oferta e da procura. E, nesse caso, a oferta é menor. Além disso, de acordo com Khatounian, os supermercados entendem que os orgânicos são direcionados para quem tem renda maior, ao passo que os industrializados são populares.

Nos supermercados das grandes cidades o alimento livre de agrotóxico pode custar de 20% a 300% mais caro que um item comum. Nas feiras orgânicas, como a venda é direta para o consumidor, os produtos são, em geral, 10% mais caros - exceção para frutas, verduras e legumes de baixa adaptabilidade ao nosso clima, como o tomate, a batata e a uva itália, que atingem um índice maior.

Modelos de produção
As práticas orgânicas são sabidamente mais saudáveis - tanto para o homem como para o planeta - e, em geral, são exercidas em pequenas propriedades. "O alimento orgânico é produzido dentro de uma concepção de agricultura diversificada, integrada e auto-sustentada", ensina João Carlos Ávila, consultor da Associação Brasileira de Agricultura Biodinâmica (ABD), em Botucatu (SP). "Uma fazenda ideal é composta de várias atividades, como horticultura, suinocultura e floresta." Segundo ele, nesse ambiente cada atividade se integra com as outras, havendo assim compra mínima de insumos externos. Aproveitam-se os restos de colheita, dejetos animais, farinha de osso, resíduos de matadouro, que são transformados em adubo orgânico depois de passar por um processo de compostagem. Ou seja, o orgânico é fruto da agricultura que existe em harmonia com as leis da natureza, onde se respeitam a biodiversidade local, a rotação de culturas e as estações do ano.

"A produção orgânica reflete a situação da agricultura no país, constituída na sua maioria por pequenos produtores familiares. Ela se encaixa melhor em propriedades menores, mas também é viável em grandes extensões de terra com até milhares de hectares", diz o professor Carlos Khatounian.

Prova do que o especialista revela é a empresa nacional Native, maior exportadora de açúcar orgânico do mundo. Criada em 1997, ela responde por 60% da produção mundial de açúcar orgânico. A usina São Francisco, dona da marca do interior paulista, processa 1,2 milhão de toneladas de cana por ano e possui 7.854 hectares de cana orgânica certificada. A empresa vende para fora cerca de 90% de sua produção.

Outro exemplo vem de Sentinela do Sul (RS), onde o agrônomo João Volkmann cultiva arroz de forma biodinâmica em 140 hectares. Na variedade agulhinha, Volkmann consegue um rendimento de 8 toneladas por hectare, ao passo que a agricultura convencional fica em 6 toneladas. O segredo? "Uma fazenda deve ser composta com diversidade, mimetizando a natureza", diz. Ele integra a cultura e a pecuária. O arroz é plantado em outubro, em solo inundado, e colhido em março. Durante o inverno, as 350 cabeças de gado descem a montanha para comer e fertilizar o solo novamente.

Esses dois casos nos levam a duas perguntas: aquele cenário bonitinho e bucólico do início do texto vai acabar? A outra é: por que simplesmente não se produz tudo de maneira orgânica? Bem, para a primeira questão a resposta é não. Não vai acabar, mas pode perder espaço para as grandes propriedades. Isso porque, se o consumo aumentar, a capacidade de produzir também terá que crescer - e uma produção local sempre será pequena. Isto é: acostume-se com as grandes empresas que comercializam orgânicos processados. A resposta à segunda pergunta é mais complexa. "A produção orgânica vai crescer muito e a convencional não sobreviverá por conta da dependência do petróleo, da falta d'água e da contaminação de toda a cadeia", prevê Adilson Dias Paschoal, professor da ESALQ. Seu colega, Carlos Khatounian, diz: "À medida que a agricultura orgânica ganha espaço, força a convencional a se tornar ambientalmente melhor. No futuro, não haverá apenas orgânicos, mas a produção agrícola avançará para sistemas mais benéficos." A natureza e a nossa saúde agradecem. (Colaboraram Bruno Weis e Wagner Silva)